Até aqui, meu processo de pintura tem partido do desenho e na pintura da foto acima, priorizei linhas que convergem para o centro. A ideia surgiu de uma pintura anterior, onde diagonais remetiam ao interior da imagem e me lembraram da frase: arrancar as cascas para acessar o cerne. O sentir como ponto que radia o pensar, decidir e agir, mas também uma sabedoria do caminho que valoriza o que nutre e dispensa o que já não serve, como beber a água e comer a poupa do coco, mas descartar as cascas.
A
paleta dessa pintura tende para tons terrosos. Sobre isso, recordo os versos
que escrevi há algum tempo: minha pele é a bandeira que sustento, nação tem a
ver com suor em comum; e uma fala de Makota Valdina: “(...) essa força que vem
do alto, é porque já ressurgiu (...), mas a força vem de baixo. É embaixo que
está toda nossa ancestralidade. A gente vive nesse mundo que a gente vê, que a
gente toca, mas o mundo invisível é como que esse mundo imerso, que tá embaixo
da terra, nosso mundo ancestral.” Tenho pensado relações simbólicas desses tons
com a cor de minha pele, com minha ancestralidade encoberta e com o chão que
piso como errante. A espiritualidade que não se desvincula do corpo, que propõe
a consciência de si como entendimento de que sou parte de um todo, requerendo
atenção nas relações entre eu e eu, eu e os meios social e ambiental, eu e os
mistérios que a razão não alcança.
Gosto
de pensar na prática da pintura como gesto na construção de si, ou seja, como
metáfora para a espiritualidade, por me perceber nos processos e resultados,
por ler os contextos nas entrelinhas, analisar e rever ou afirmar ideias.
1:
Pintura acrílica e spray sobre tela sem chassi, 80 x 60 cm, sem título, 2022
2:
Esboço do desenho que foi decalcado sobre a tela de pintura
3:
Retalho de papel com manuscrito “arrancar as cascas para acessar o cerne”
4:
Anotação da ideia que originou a pintura.
5:
Makota Valdina em fotografia de Pedro Aspahan
6:
Dizeres de Makota Valdina, retirada de vídeo: “Meditando sobre o revelado,
pensando no que o chão me diz”
7,
8, 9 e 10: Detalhes aproximados da pintura
28/03/2023
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